Primeiro exoplaneta com composição semelhante à da Terra

1. Figura Artística da estrela Kepler-78, e do planeta Kepler-78b. Crédito: David Aguilar (CfA)

2. Diagrama Massa/Raio de vários exoplanetas, com indicação do Kepler-78b e da Terra. Crédito: Consórcio HARPS-N

30 outubro 2013

Com dados combinados do espectrógrafo HARPS-N1 e do telescópio espacial Kepler2 (NASA), uma equipa internacional3, da qual faz parte Pedro Figueira do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP4), conseguiu determinar a massa e o diâmetro do exoplaneta Kepler-78b.

Esses dados apontam para um planeta com 1,16 vezes o diâmetro e 1,86 vezes a massa da Terra, e tendo por isso uma densidade de 5,57 g/cm3. Com estas características, os modelos existentes para a estrutura dos planetas apontam para que o Kepler-78b seja rochoso, e com um núcleo de ferro relativamente grande, que pode corresponder até 40% da sua massa total.

Segundo Pedro Figueira, da equipa EXOEarths do CAUP, “Este planeta é aquele que, pela sua massa e dimensão, mais se aproxima do nosso. Para o detetar, tivemos de usar estratégias de observação inteligentes, para tirar o máximo proveito do HARPS-N, e fazer uma cuidada análise dos dados. Ao fazê-la, chegámos a um resultado que é o melhor cartão-de-visita que se poderia esperar deste espectrógrafo.”

Hoje sabemos que mais de metade das estrelas semelhantes ao Sol têm no mínimo um planeta e pelo menos um sexto dessas estrelas têm planetas com diâmetros entre 0,75 e 1,25 vezes o diâmetro da Terra. Neste trabalho5 a equipa investigou a Kepler-78, uma estrela situada a 700 anos-luz, com cerca de 74% do diâmetro do Sol. Quando observada pelo telescópio espacial Kepler, apresentava um sinal compatível com um trânsito de um planeta com 1,16 raios terrestes, numa órbita com período de 8,5 horas e a uma distância de apenas 0,0089 unidades astronómicas (cerca de 43,5 vezes mais próximo que Mercúrio está do Sol), o que era considerado uma órbita impossível.

No entanto, utilizando apenas o método dos trânsitos6 não é possível obter informações acerca da massa, nem sequer confirmar se os sinais detetados correspondem de fato a um planeta. São necessários dados complementares de espectroscopia, para que usando o método das velocidades radiais7 seja possível estimar a massa do objeto, e assim confirmar a sua natureza planetária.

Aproveitando a instalação do novo espectrógrafo HARPS-N, no Telescopio Nazionale Galileo (TNG) do Observatório de Roque de Los Muchachos (La Palma, Espanha), a equipa liderada por Francesco Pepe (OAUG) iniciou uma campanha de observação desta estrela, em maio de 2013. Uma análise muito cuidadosa dos dados revelou a presença do planeta, com raio compreendido entre 1,084 e 1,332 raios da Terra; e massa compreendida entre 1,61 e 2,24 massas terrestes.

Para Pedro Figueira “Não foi fácil extrair dos dados a confirmação que o sinal encontrado pelo Kepler era devido a um planeta. Só depois de vários meses de trabalho conseguimos identificar o sinal do planeta. A sua confirmação é um testemunho claríssimo do elevado nível da astronomia planetária atual, e do impressionante progresso feito nos últimos anos”.

O planeta Kepler-78b é um desafio para os astrónomos, pois não deveria ter uma órbita tão próxima da sua estrela. Eventualmente, este planeta escaldante será destruído pela força gravítica, que tem vindo a reduzir o tamanho da sua órbita. Segundo os modelos, a desintegração do planeta deverá ocorrer nos próximos 3 mil milhões de anos.

Tendo em conta o seu curto período orbital, o Kepler-78b terá uma temperatura à superfície entre os 1800ºC e os 3300ºC. Assim, apesar de ser parecido com a Terra em dimensão e massa, deverá ser mais semelhante ao mítico planeta Vulcano, que em tempos se julgou orbital o Sol, mais próximo da nossa estrela que Mercúrio.

Notas:

  1. O HARPS-N (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher for the Northern hemisphere, ou pesquisador de planetas de alta resolução por velocidades radiais para o hemisfério Norte) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no Telescopio Nazionale Galileo, em La Palma (Cánarias). Deteta variações de velocidade inferiores a 4 km/h (ou aproximadamente a velocidade de uma pessoa a caminhar). Foi construído para, em conjunto com o satélite Kepler, determinar as características dos exoplanetas.
  2. O Telescópio Espacial Kepler (NASA) foi lançado a 5 de março de 2009, para observar em contínuo 100 mil estrelas na região da constelação do Cisne. Um dos objetivos desta missão era detetar exoplanetas através do Método dos Trânsitos. Devido a falhas técnicas, a 15 de agosto deste ano foi posto em modo de hibernação.
  3. A equipa é composta por Francesco Pepe (Observatoire Astronomique U. Genève), Andrew Collier Cameron (SUPA, School of Physics and Astronomy, U. St. Andrews), David W. Latham (Harvard-Smithsonian CfA), Emilio Molinari (INAF - Fundación Galileo Galilei & IASF Milano), Stéphane Udry (Observatoire Astronomique U. Genève), Aldo S. Bonomo (INAF - Osservatorio Astrofisico di Torino), Lars A. Buchhave (Harvard-Smithsonian CfA &Centre for Star and Planet Formation, Natural History Museum of Denmark, U. Copenhagen), David Charbonneau (Harvard-Smithsonian CfA), Rosario Cosentino (INAF - Fundación Galileo Galilei & Osservatorio Astrofisico di Catania), Courtney D. Dressing (Harvard-Smithsonian CfA), Xavier Dumusque (Harvard-Smithsonian CfA), Pedro Figueira (Centro de Astrofísica da Universidade do Porto), Aldo F. M. Fiorenzano (INAF - Fundación Galileo Galilei), Sara Gettel (Harvard-Smithsonian CfA), Avet Harutyunyan (INAF - Fundación Galileo Galilei), Raphaëlle D. Haywood (SUPA, School of Physics and Astronomy, U. St. Andrews), Keith Horne (SUPA, School of Physics and Astronomy, U. St. Andrews), Mercedes Lopez-Morales (Harvard-Smithsonian CfA), Christophe Lovis (Observatoire Astronomique U. Genève), Luca Malavolta (Dipartimento di Fisica e Astronomia "Galileo Galilei", U. Padova & INAF - Osservatorio Astronomico di Padova), Michel Mayor (Observatoire Astronomique U. Genève), Giusi Micela11, Fatemeh Motalebi (Observatoire Astronomique U. Genève), Valerio Nascimbeni (INAF - Osservatorio Astronomico di Padova), David Phillips (Harvard-Smithsonian CfA), Giampaolo Piotto (Dipartimento di Fisica e Astronomia "Galileo Galilei", U. Padova & INAF - Osservatorio Astronomico di Padova), Don Pollacco (Department of Physics, U. Warwick), Didier Queloz (Observatoire Astronomique U. Genève & Cavendish Laboratory), Ken Rice (SUPA, Institute for Astronomy, Royal Observatory, U. Edinburgh), Dimitar Sasselov (Harvard-Smithsonian CfA), Damien Ségransan (Observatoire Astronomique U. Genève), Alessandro Sozzetti (INAF - Osservatorio Astrofisico di Torino), Andrew Szentgyorgyi (Harvard-Smithsonian CfA), Christopher A. Watson(Astrophysics Research Centre, School of Mathematics and Physics, Queens University, Belfast)
  4. O Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP) foi criado em maio de 1989 e iniciou as atividades em outubro de 1990. É uma associação científica e técnica privada da Universidade do Porto, sem fins lucrativos e reconhecida de utilidade pública. Inscreve entre os seus objetivos apoiar e promover a Astronomia através da investigação científica, da formação ao nível pós-graduado e universitário, do ensino da Astronomia ao nível não universitário (básico e secundário) e da divulgação da ciência e promoção da cultura científica.
    É o maior instituto de investigação em Astronomia em Portugal, com mais de 60 pessoas. Desde 2000 que é avaliado como "Excelente" por painéis internacionais, organizados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
  5. O artigo An Earth-size planet with an Earth-like density foi publicado no último número da revista Nature (DOI: 10.1038/nature12768).
  6. O Método dos Trânsitos consiste na medição da diminuição da luz de uma estrela, provocada pela passagem de um exoplaneta à frente dessa estrela (algo semelhante a um micro-eclipse). Através de um trânsito é possível determinar apenas o raio do planeta. Este método é complicado de usar, porque exige que o(s) planeta(s) e a estrela estejam exatamente alinhados com a linha de visão do observador.
  7. O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime ao Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta.

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